Sujeito Lacaniano

12 julho, 2023

No livro do autor Lacaniano Bruce Fink, "Sujeito Lacaniano: entre a linguagem e o Gozo", encontramos um formato generoso de transmissão, sem deixar de ser profundo. Quero trazer alguns Posts curtos sobre alguns conceitos discutidos neste livro, com o objetivo de tornar a Psicanálise Lacaniana abrangente. 


Hoje decidi tratar brevemente do paradigma neurótico: confundimos Demanda com o Desejo do Outro. No que isso implica? Mal sabemos sobre o nosso próprio Desejo, que nos é opaco, e somente nos é dado a conhecer indiretamente através das Formações do Inconsciente (Lapsos, esquecimentos, sonhos, Atos Falhos...). Acontece que na Estrutura Neurótica somos alienados na medida em que somos falados. Uma linguagem nos antecede, existe antes de nascermos, e quando morrermos, continuará existindo. Antes de nascermos algumas pessoas já falavam de nós: "Será menina", "Esse vai ser astronauta", "Pelo modo como chuta será teimoso igual ao avô...", e por aí vai. Pouco sabemos de tudo o que foi dito sobre nós antes de nascermos, mas estas palavras, e outras que escutamos ao longo da nossa existência são Determinantes, uma vez que o Inconsciente, segundo Lacan, é formulado como uma cadeia de linguagem. "Sujeito é aquilo que um Significante representa para outro Significante". Em português claro: para não ficarmos à deriva, nos enlaçamos nestas palavras, tomamos a Demanda Inconsciente de outra pessoa, que representa o Grande Outro para nós, como o seu Desejo. Nossas necessidades e prazeres são, portanto, canalizados, formatados, organizados conforme essa Demanda do Grande Outro, uma espécie de todo-mundo-ninguém, um falatório com vida própria, ao qual nos ancoramos, e deste modo nos distanciamos do nosso próprio Desejo. É preciso, portanto, arriscar-se a falar, e falar, e falar na própria análise, para construir uma narrativa acerca de si mesmo, perceber o próprio Desejo, e aprender a lidar melhor com isso que nos Determina à nossa revelia.

 

Diferença Sexual e Ontologia

7 maio, 2023

Este texto da Alenka Zupancic esclarece algo acerca da Psicanálise no que tange aquilo que defende a Teoria Queer: a insubmissão social do corpo sexual.

"Da mesma forma que para Marx o “antagonismo de classe” não é simplesmente o conflito entre diferentes classes, mas o próprio princípio da constituição da sociedade de classes, o antagonismo como tal nunca existe simplesmente entre partidos conflitantes; ele é o próprio princípio estruturante desse conflito e dos elementos envolvidos nele.".

Freud, "Três ensaios":

“A atividade auto-erótica das zonas erógenas é, no entanto, a mesma em ambos os sexos e, devido a essa uniformidade, não há possibilidade de distinção entre os dois sexos, como surge após a puberdade. De fato, se pudéssemos dar uma conotação mais definida dos conceitos de “masculino” e “feminino”, seria até possível sustentar que a libido é invariável e necessária à natureza masculina, seja nos homens ou nas mulheres e independentemente de seu objeto ser um homem ou uma mulher.” 

E, por fim, Mlanden Dolar:

Pela imposição do código binário de dois sexos, estamos sujeitos à restrição social básica. Mas o problema talvez seja exatamente o oposto: a diferença sexual coloca o problema do dois precisamente porque não pode ser reduzido à oposição binária ou explicado em termos do número binário dois. Não é uma diferença significante, de tal forma que define os elementos da estrutura. Não deve ser descrita em termos de características opostas, ou como uma relação de entidades dadas que preexistem a diferença. Pode-se dizer: os corpos podem ser contados, os sexos não podem. O sexo apresenta um limite para a contagem de corpos; corta-os de dentro em vez de agrupá-los sob títulos comuns.”.


#queer #psicanalise

 

Culpa antes, e culpa depois do ato.

7 maio, 2023


“(...) Catapora

Culpa

Cárie

Cãibra 

Lepra 

Afasia

E o pulso

Ainda pulsa...” Titãs.


Note que o poeta coloca a culpa entre “outras” doenças.


A culpa é um sentimento estranho. Serve para alguma coisa antes do ato, pois às vezes o impede. Mas aí não é culpa: é vergonha, então não vale. Culpa posterior é inútil. 


Freud escreveu sobre três tipos de personalidade considerando como cada uma delas lida com o sentimento de culpa: Tem aqueles que são arruinados pelo êxito: sentem-se extremamente angustiados quando conseguem realizar um desejo há muito desejado; Há quem cometa crimes para expiar a própria culpa - eles sentem culpa, e quem "paga" são os outros; E tem aquelas "figuras" que acham que já fizeram muito sacrifício na vida, e que agora, merecem ser indenizadas pelos outros, por uma questão de "justa" compensação. Sobre este último tipo, um paciente inteligentíssimo disse brincando: "Hoje em dia, as pessoas já nascem assim!". 


A culpa é uma herança do supereu/superego: instância psíquica que internaliza as proibições paternas. Acontece que, olha que "fácil": a mesma instância que proíbe, incita. Não é difícil associar isto aos efeitos que as propagandas têm na captura dos nossos desejos mais culposos. 


Diferente da culpa, o sentimento de culpa, que não serve para nada, é como andar por aí com uma capa de chuva molhada sem ter tomado a chuva.


Havemos de inventar uma outra maneira de lidar com este sentimento que rege a nossa vida sem que percebamos.

 

Luto ou Melancolia?

5 maio, 2023

Para Freud, pode existir Luto pela perda amorosa, assim como pela perda de alguém que faleceu. Mas Luto e Melancolia são processos diferentes. 


Encontramos uma diferenciação bem resumida, não em “Luto e Melancolia”, livro em que Freud aprofundou a questão do Luto, mas em “Psicologia de Massas e Análise do Eu”.


Segundo Freud, há uma tendência que se acentua na Melancolia, mas que também está presente no Luto, em menor grau: “A introjeção, no Ego, do objeto perdido, como sucedâneo deste...”.


É uma tentativa de lidar com a ausência: reter um traço do que foi perdido. 

O problema é a cisão que ela provoca no Ego: uma parte de si luta internamente com o objeto internalizado, e disso resultam os sentimentos de culpa e autodepreciação que percebemos no discurso do melancólico: “Mostram-nos o Ego dividido, separado em duas partes, uma das quais vocifera contra a segunda. Esta segunda é a parte que foi alterada pela introjeção, e contem o objeto perdido.”.

A parte que vocifera é regida pelo Ideal do Ego - herdeiro do narcisismo - em que o Ego infantil desfrutava de auto-suficiência. 


Freud demonstra que, apesar de ser uma parte diferente do Ego, contida no Ego, podemos encontrar alguns adultos em que: “essa diferenciação dentro do Ego não vai além da que sucede em crianças.”. Pessoas insatisfeitas com o próprio Ego tendem a se refugiar da realidade no Ideal do Ego para sentirem-se superiores às outras. 


Para Freud, Ego (Eu) é uma instância psíquica que se diferencia de Superego, e do Id, por ser consciente. Freud, na Segunda Tópica, instituiu estas instâncias, explicando que a parte de nossa mente que nos é consciente não equivale ao todo. Somos excêntricos como uma elípse que tem dois centros, e não como um círculo. Por isso, desejar não é querer.

 

A origem da palavra Análise.

29 abril, 2023

A poética origem da palavra análise dita por Heidegger nos "Seminários de Zollikon" em 1930.

Heidegger questionou-se sobre a origem da palavra análise: pesquisou o por quê de Freud ter escolhido esta palavra para descrever o fazer analítico e diferenciá-lo do fazer médico no final do Séc. XVIII.


Segundo Heidegger, a palavra grega análise apareceu pela primeira vez escrita na "Odisseia" de Homero.


Odisseu passou anos fora ocupando-se de sua epopéia. Ao ser solicitado a Penélope, sua esposa, que escolhesse um outro homem para ocupar o lugar de Odisseu, já que depois de tantos anos ausente ele poderia estar morto, ela promete eleger um dos pretendentes, na condição de poder terminar a tecitura do manto que se colocou a confeccionar. Acontece que para manter-se fiel a Odisseu,  de dia ela tecia o manto, e à noite ela "analisava" o manto, desfazia a trama. O ato de destecer a tecitura, pode significar analisar.


Análise em grego ainda pode querer dizer: libertar, tirar as algemas dos escravos... Isso pode significar libertar-se da tecitura dos próprios encobrimentos.


É claro que Heidegger pode ter se enganado acerca da intencionalidade de Freud, somente Freud poderia dizê-la, mas é uma definição muito poética da palavra análise.

 

O Real retorna sempre ao mesmo lugar.

12 abril, 2023

Trauma e Repetição.

"(...) Isto é como olhar para o céu, e reproduzir na terra o caminho aparente que o sol descreve ininterruptamente, passando, a cada dia, por cada Grau do Zodíaco, pacientemente, seguindo o mesmo caminho que já percorreu milhares de milhões de vezes antes, retornando sempre ao mesmo ponto: o Solstício de Inverno."; "Esta repetição que traz em si a inovação: o voltar sempre ao mesmo ponto, mas o ponto nunca ser o mesmo." "(...)Trazendo a chance de gerar no presente, um futuro mais promissor." FU, O Retorno, I Ching, o Tratado das Mutações, Versão de Wu Jyh Cherng.

A Repetição é um dos instrumentos da Clínica Psicanalítica. Há um automatismo de repetição em tudo aquilo que pertence ao campo do Real (a natureza, a contingência, o acaso, o devir, etc...). O Real é tudo aquilo que não foi simbolizado - e nem tudo será. O Trauma é uma experiência residual na vida das pessoas, um nó na linha do tempo, um momento ao qual muitos outros acontecimentos, infelizmente, se referem. Quando escutamos a fala de um paciente, estamos à procura daquilo que chamamos de "A Outra Cena": um acontecimento que foi intenso, mas que ainda não encontrou representação por meio das palavras. Muito frequentemente, algum mal-estar relatado pelas pessoas que analisamos só é considerado mal por remeter - ainda que remotamente - a um acontecimento traumático. Pedindo para que a pessoa fale, se possível, sem se preocupar com o conteúdo, relate sonhos, devaneios, e etc, estamos articulando com outras palavras o que não pôde ser falado do Trauma, criando relações com um número cada vez maior de significantes, e deste modo, reunindo Afeto e Representação, o que permite desfazer a Angústia, ou Ansiedade, para usar um sinônimo mais corrente, que desencadeia um comportamento automatizado. A Regra Fundamental de Freud: "Fale o que vier à mente" se justifica pela sua eficácia desde a criação da Psicanálise: desbloquear aquilo que está fixado por não ter sido simbolizado, pois a "linguagem é aquilo que permite a substituição e o deslocamento - a própria antítese da fixação... O Real é submetido à dialetização..." (FINK, O Sujeito lacaniano, entre a linguagem e o Gozo, pp.: 45, e 46).

 

Significado singular diante de um diagnóstico universal.

6 abril, 2023

O significado que um paciente dá para o seu mal estar é singular, e paradoxalmente, muda ao longo da análise: a representação, ou seja, o significado atribuído a uma determinada experiência, muda à medida que o paciente conta o acontecido. 


A clínica psicanalítica cuida do significado particular que existe num diagnóstico universal: A Psicanálise é a clínica da subjetividade.


Para finalizar, “Procura da poesia”, um conselho de Drummond para fazer Poesia, que se aplica ao nosso fazer Psicanalítico:


“Chega mais perto e contempla as palavras.


Cada uma


tem mil faces secretas sob a face neutra


e te pergunta, sem interesse pela resposta,


pobre ou terrível, que lhe deres:


Trouxeste a chave?


Repara:


ermas de melodia e conceito


elas se refugiaram na noite, as palavras.


Ainda úmidas e impregnadas de sono,


rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.”.

 

Astrologia não é terapia.

6 abril, 2023

Para que uma prática seja considerada clínica, de um ponto de vista clássico, ela tem que atender a quatro elementos:


-Semiologia - Campo semântico pertencente a um sistema de conhecimento, por exemplo, o campo semântico da psicanálise inclui conceitos como: inconsciente, repressão, negação...


-Diagnóstica - Reconhecimento acerca das características de um quadro clínico;


-Terapêutica - Na psicanálise, por exemplo, a direção de um tratamento e não de um sujeito;


-Etiologia: o estudo das causas.


Por exemplo, a astrologia não é uma prática clínica, pois não há nela uma terapêutica.


Diferentemente da clínica clássica, a Psicanálise é a clínica da singularidade.


A psicanálise abre espaço para uma nova interpretação: a palavra gastrite, referente ao exemplo acima, pode ter um significado que pode ser desvelado, escutando o que um paciente tem a dizer sobre isso, e pode ter outro significado para outro paciente. Não dá para generalizar que todas as gastrites são bacterianas, e tão pouco que todas as gastrites "nervosas" são causadas por estresse: é preciso escutar cada sujeito. O que muda neste paradigma é que temos um sujeito que pode falar sobre o que está sentindo através do eu do paciente, mas para isso é preciso que haja um analista, para que a verdade se dê, entre uma coisa e outra.


Se Freud foi o pai da Psicanálise, o psicanalista parisiense contemporâneo Jacques-Marie Émile Lacan (1901-1981), tratou de revisar a obra de Freud, e fazer as analogias necessárias para que a Psicanálise pudesse ser transmitida, fiel ao que ela se propõe: o tratamento por meio das palavras do próprio paciente. Lacan evidenciou ainda mais a descoberta de Freud: de que há um descentramento no humano. Na psicanálise o sujeito é quem dá o significado a partir do seu discurso, e o sujeito não coincide com o eu do paciente, o sujeito é sujeito do inconsciente. A clínica psicanalítica cria condições para escutarmos o discurso do inconsciente, que acontece enquanto o paciente fala. Fala e discurso não são sinônimos para a Psicanálise. 


Referência: "O Nascimento da Clínica" - Foucault.

 

Freud joga o Dicionário dos Sonhos fora.

6 abril, 2023

No livro: "A interpretação dos sonhos", de Freud, o pai da Psicanálise discorre sobre como os sonhos eram analisados na antiguidade sem necessariamente tratar-se de uma análise científica. Naquele contexto, sonhos eram considerados "premonições". Ainda hoje encontramos catálogos com elementos de sonhos em forma de verbete, ao lado do que supostamente significariam.


Com o paradigma psicanalítico proposto por Freud, o que consideramos na análise de um sonho é o texto do sonho, o modo que ele é contado pelo paciente. Numa análise não trabalhamos somente com relatos de sonhos, mas trabalhamos com as palavras dos pacientes: esquecimentos, lapsos de linguagem, ditos cômicos, atos falhos - num contexto de análise funcionam como material a ser trabalhado psicanaliticamente. A verdade encontrando-se novamente, imanente, entre uma coisa e outra.


Os diagnósticos médicos, por exemplo, fazem parte da clínica clássica, são conservados em latim, pois latim é uma "língua morta", e com isso não há dimensão subjetiva no significado de uma doença psicossomática para quem está doente: uma "língua morta" mantém o estado entre o significante (palavra) e o significado. Consequentemente não há uma escuta psicanalítica possível na clínica médica clássica do que uma doença pode significar para quem está doente, portanto não há espaço para a interpretação das doenças psicossomáticas (por exemplo: gastrite por causa emocional, e não bacteriana, nem por lesão anatômica), há no máximo um diagnóstico e uma terapêutica medicamentosa.


 

Freud e a Linguística.

6 abril, 2023

Freud não inventou o inconsciente, ELE DESCOBRIU O INCONSCIENTE. Documentou a evidência do inconsciente em “Psicopatologia da vida cotidiana”. Neste texto já encontramos a noção de fala como ato. Atenção: ainda não existia Linguística! Mais uma evidência da genialidade de Freud. No ato falho agimos de modo contrário ao que esperamos: Querendo falar uma coisa, dizemos outra. Quem fala? O que fala em nós? Freud interpelava os interlocutores, indagava sobre a relação do inconsciente com acontecimentos cotidianos, demonstrara que somos divididos subjetivamente. Algumas situações nos escapam à razão, falham em relação à comunicação, ou falham em relação ao seu objetivo, mas certamente têm uma lógica e "eficácia" inconsciente.


É disso que cuidamos na clínica psicanalítica: nos ocupamos de descobrir a lógica inconsciente que corresponde ao desejo, mas nem sempre à vontade própria. Bem mais tarde, no Sem. XVI, Lacan afirma na página 67:


“Livre (associação) não quer dizer outra coisa senão mandando embora o sujeito...”; “(...) a verdade não é dita por um sujeito, mas suportada.”; Ou ainda mais ousadamente: “Existe o sofrimento que é um fato, ou seja, que encerra um dizer. É por essa ambiguidade que se refuta que ele seja inultrapassável em sua manifestação. O sofrimento quer ser sintoma, o que equivale a dizer: verdade”. 


No livro "O nascimento da clínica", Michel Foucault (1926-1984), filósofo francês, escreveu acerca da diferença entre a clínica clássica e a clínica psicanalítica.


Foucault estudou a modificação da clínica clássica: do Séc. XVIII, contexto em que o médico era aquele que olhava, até a clínica psicanalítica, Séc. XIX, quando o médico passou a ser também aquele que escuta, criando uma aliança entre o ver e o dizer como fonte da clareza e do desvelamento das afecções psíquicas.


Esta mudança de paradigma faz do paciente um sujeito ativo no seu tratamento, pois desloca o saber sobre a terapêutica: de quem trata para quem é tratado.

 

Uma Verdade pode ser: ou completa, ou consistente.

6 abril, 2023

Na página 24 do Seminário XVI, Lacan afirma que o título pode significar de um Outro ao a:


“A verdade assim emitida fica presa e suspensa entre os dois registros cujos limites indiquei no título de meu seminário deste ano, o do Outro e o do pequeno a”. 


a faz referência ao oco corporal cuja pulsão é proveniente procurando fazer, fora do corpo, um circuito de satisfação num objeto, êxtimo. Voltamos aqui à "extimidade". A ”extimidade” da Psicanálise consiste nela ser uma ciência, sim, mas uma ciência peculiar por saber que há "um furo" em seu saber, pois ao afirmar que a verdade encontra-se imanente, entre uma coisa e outra, afirma que não há discurso totalitário, ao mesmo tempo afirma que a Psicanálise não pretende ser um discurso totalitário, já que a verdade não pode ser dita toda. A consequência que podemos depreender disso é que não há ciência que possa representar a hegemonia do saber. Lacan recorreu ao teorema do matemático Gödel, que demonstrara que uma teoria pode ser incompleta e consistente, ou completa e inconsistente, mas não poderá ser simultaneamente completa e consistente.


O Corpo da Psicanálise


“E, inda tonto do que houvera,


À cabeça, em maresia,


Ergue a mão, e encontra hera,


E vê que ele mesmo era


A Princesa que dormia.”


Fernando Pessoa.


Para entender melhor a peculiaridade da Psicanálise entre as ciências, vamos à história: consultemos Freud, Lacan, Foucault. 


Sigmund Freud (1856 - 1939), médico de origem judaica, nascido em Príbor, hoje República Tcheca (Europa Central), viveu a maior parte de sua vida em Viena (79 anos), e no fim da vida exilou-se no em Londres com parte da sua família para sobreviver à perseguição nazista, onde permaneceu até a sua morte. Em meados do Século XVIII, foi trabalhar com Jean-Martin Charcot (1825-1893) no Hospital Salpêtrière, em Paris, onde tudo começou. 


Trabalhando com Charcot, Freud interessou-se particularmente pelo tratamento das paralisias corporais que não tinham uma razão biológica. Ao descobrir que há algo no humano que afeta o corpo e independe da razão, e além disso não tem uma relação direta com causas físicas, o criador da Psicanálise deparou-se com a sua descoberta: o Inconsciente.

 

Freud e as Ciências Humanas.

6 abril, 2023

Freud foi um cientista que colaborou nos primórdios da Biologia da memória: as primeiras pesquisas científicas sobre memória têm sua autoria, mas não tem tido o devido crédito. Escrevo à luz de uma entrevista publicada  na Folha, em que um neurocientista dizia que a Psicanálise, do ponto de vista dele, seria um mero exercício estético, e não um tratamento. Desde o começo a Psicanálise é um tratamento que procura produzir teorias e desenvolve seu método próprio, apesar de ainda hoje ser negada, talvez pelos mesmos motivos que criara resistências no início do Século XIX.


A Psicanálise tem uma relação de "extimidade" com as ciências. Extimidade (íntimo e exterior) é um neologismo que pode significar estar no interior e no exterior de algo, simultâneamente, assim como a banda de Moëbius, figura fascinantemente ilustrada por Escher, artista plástico, que pode ser vista na capa do “Seminário X” de Lacan, demostra: o que está dentro está fora.


A Psicanálise desde o seu início (por volta de 1890) utilizou-se do Campo Semântico de outras ciências - a exemplo de: sublimação e transferência, que são termos importados da Física - para descrever seu método. Freud queria compartilhar a descoberta do inconsciente com os seus contemporâneos, e precisava utilizar de uma linguagem comum às ciências que lhe eram contemporâneas para ser compreendido. 

65 anos mais tarde, Lacan dedicou uma série de seminários que estão concentrados no livro "Seminário XVI - De um Outro ao outro" para formalizar a Psicanálise utilizando-se da Lógica, e da Linguística. Esta última, apesar de não existir como ciência na época de Freud, já era notada por ele no funcionamento do inconsciente, e isso pode ser localizado bibliograficamente em "A interpretação dos sonhos".

No título deste Seminário lacaniano, o Outro em maiúsculo refere-se a um "lugar" estrutural - estrutural como a Antropologia e a Linguística - que supostamente conteria a verdade. "De um Outro ao outro", muito resumidamente, pode significar que não há discurso totalitário, que contenha toda a verdade.

 

Distância que reifica pessoas e fetichiza mercadorias.

5 abril, 2023

“Um mundo em que a técnica ocupa uma posição tão decisiva como atualmente, gera pessoas tecnológicas, afinadas com a técnica. (...) na relação atual com a técnica existe algo de exagerado, irracional, patogênico. Isto se vincula ao "véu tecnológico". Os homens 

inclinam-se a considerar a técnica como sendo algo em si mesma, um fim em si mesmo, uma força própria, esquecendo que ela é a extensão do braço dos homens. Os meios - e a técnica é um conceito de meios dirigidos à autoconservação da espécie humana - são fetichizados, porque os fins - uma vida humana digna - encontram-se encobertos e desconectados da consciência das pessoas. (...) Não se sabe com certeza como se verifica a fetichização da técnica na psicologia individual dos indivíduos, onde está o ponto de transição entre uma relação racional com ela e aquela supervalorização, que leva, em última análise, quem projeta um sistema ferroviário para conduzir as vítimas a Auschwitz com maior rapidez e fluência, a esquecer o que acontece com elas em Auschwitz. No caso do tipo com tendências à fetichização da técnica, trata-se simplesmente de pessoas incapazes de amar. 

Isto não deve ser entendido num sentido sentimental ou moralizante, mas denotando a 

carente relação libidinal com outras pessoas. Elas são inteiramente frias e precisam negar também em seu íntimo a possibilidade do amor, recusando de antemão nas outras pessoas o seu amor antes que o mesmo se instale...” Adorno - Educação após Auschwitz.

Certa vez, o Instagram tornou oculto o número de interações com as publicações. É claro que há de se suspeitar que isso seja uma estratégia publicitária, num mundo em que os consumidores contemporâneos redimem sua culpa por estarem ajudando a destruir o planeta, demandando: remissão de CO2, sustentabilidade, ecologia, veganismo que consome monocultura de soja, e responsabilidade social. Mas o que 

está assumidamente implícito, é que há um impacto emocional envolvido na quantidade de 

interações que uma postagem numa Rede Social pode gerar. Provavelmente o Instagram 

pensou numa ação que o diferenciasse, uma argumentação uma argumentação do tipo: “Nós temos responsabilidade social”. 

 

Por um mundo não-violento.

5 abril, 2023

“Quando falo de educação após Auschwitz, refiro-me a duas questões: primeiro, à educação 

infantil, sobretudo na primeira infância; e, além disto, ao esclarecimento geral, que produz 

um clima intelectual, cultural e social que não permite tal repetição; portanto, um clima em 

que os motivos que conduziram ao horror tornem-se de algum modo conscientes.” Adorno - 

Educação após Auschwitz.

Analisar e criticar o funcionamento social que: apassiva o Sujeito, limita a criatividade, reduz o ser a um consumidor, o cidadão a um eleitor atendendo a interesses econômicos que muitas vezes 

lhe são ocultos, e que subtrai a qualidade da existência, bem como - revisar, à luz da Psicanálise, ideias interessantes e saídas criativas para os impasses contemporâneos, como as de Byul-Chul Han, a saber, reconectar com o ócio e o silêncio como contraponto; E a de Franco ‘Bifo’ Berardi: recuperar a possibilidade de subversão poética das palavras - , é convidar à reflexão para um mundo menos cruel. Verificar como a subjetividade têm sido prejudicada com a superexposição contemporânea ao mundo virtual,

e pensar estratégias de conscientização, e de prevenção, para as novas gerações, é tentar evitar massacres como o que aconteceu hoje em Blumenau. Luto pelas vítimas. E as vítimas somos todos nós.

 

Responsabilidade não se delega.

4 abril, 2023

O que não cessa de ser produzido pela geração conectiva,  a reprodução de conteúdo virtual, está longe de ser algo relativo à capacidade crítica. No fenômeno especular da virtualidade, onde a dimensão imaginária está prevalente, nos alienamos nas imagens pelas quais nos definimos, com as quais nos identificamos. O Sujeito é reduzido a um olho que vê, e muitas vezes carece de capacidade de simbolização do que vê. 

Desta forma, adentramos no conceito da Identificação, que segundo Freud, no capítulo 

“Identificação” em “Psicologia de grupo e análise do Eu”, pode acontecer de três formas: 

O terceiro tipo nos interessa pois encontra-se presente nos fenômenos de grupo. O laço mútuo existente entre membros de um grupo é baseado numa importante qualidade emocional comum, mais precisamente na natureza do laço com o líder. A adesão e manutenção a um grupo tem a libido como lastro: se não posso ter alguém, me torno essa pessoa. Tudo se 

passa como se houvesse uma terceirização do próprio Superego localizado agora no líder do grupo, que funciona como Ideal do Eu de cada integrante. Uma operação perigosa quando causa a ilusão de que, a responsabilidade pelos atos de uma pessoa, são de um terceiro. Não é difícil que este trecho nos remeta às inúmeras catástrofes políticas e religiosas que a humanidade já enfrentou. Em Lacan encontramos a reflexão sobre o Traço Unário: se ao longo das identificações mudamos tanto, o que permite que continuemos nos identificando como nós mesmos? Uma espécie de marco zero na identidade é colocada na formação do 

psiquismo como resultado da Metáfora Paterna, e isso forma o lastro da identidade apesar de 

todas as identificações. Esta questão é importante quando retornamos ao tema da 

responsabilidade, sobretudo a responsabilidade civil, e, tão importante quanto, a 

responsabilidade sobre o próprio inconsciente. O Sujeito da Ciência, fenômeno lacaniano que 

segundo Roudinesco, irrompeu no nazismo (Debieux Rosa, 2004, p. 336), pode nos ajudar a 

pensar como a subjetividade no mundo virtual tem sido precarizada a ponto de diluir a capacidade de crítica e discernimento político.

 

Diferença entre Narcisismo e Narcisismo.

27 março, 2023

É comum escutarmos: "fulano é narcisista". Mas, a despeito de termos psiquiátricos ou psicanalíticos que são usados pelo senso comum como adjetivos, o Narcisismo tem sua origem na Mitologia Grega: Narciso apaixonara-se pela sua própria imagem projetada num lago, onde afogou-se tragicamente ao tentar fazê-la consistir. 

Freud, inspirado pelo Mito de Narciso, escreveu sobre duas fases inerentes ao Desenvolvimento Humano: o Narcisismo Primário, e Narcisismo Secundário. No Narcisismo Primário, do ponto de vista do bebê, ele é parte do corpo de sua mãe, há uma percepção simbiótica da realidade, o bebê encontra-se como Eu Ideal. 

A passagem para Narcisismo Secundário dá-se a partir da entrada de um Terceiro naquela relação que era Simbiótica, a percepção do Desejo da mãe por algo ou alguém para além do bebê, o lança no Ideal de Eu, fase em que o bebê, normalmente, se insere na linguagem para tornar-se como aquele que interferiu na relação dual. 

Para a Psiquiatria, o Narcisismo é uma Patologia: um ser que usa outras pessoas para alcançar o que deseja, e não se envolve emocionalmente, senão, para manipular e conseguir o que quer.

Na Sociologia encontramos no final da década de 70, Debord descrevendo a Sociedade do Espetáculo, e Christofer Lasch, a Cultura do Narcisismo: ambos autores descrevendo um funcionamento individualista que enfraquece as mudanças sociais em termos humanistas. Eles se referem ao Indivíduo Narcisista, personagem típica do "Self Made Man", produto da Ideologia do Sonho Americano. Nos anos 2000 temos um autor bastante difundido, o filósofo coreano Byung Chul Han, que escreve sobre a Sociedade do Cansaço: uma espécie de Burnout generalizado pela internalização de valores individualistas. Muitos outros autores, como filósofo africano A. Mbembe, e o sociólogo italiano Franco Bifo Berard, também têm escrito livros pensando as consequências do Neoliberalismo para o Mal-estar contemporâneo.

 

Desejamos o desejo do outro.

25 março, 2023

Mas o que o homem contemporâneo tem feito do tecido de sua existência? Em “Shakespeare: teatro da inveja” do filósofo Rene Girard, encontramos a noção de Desejo 

Mimético: que muito resumidamente tem a ver com uma rivalidade que funciona como lastro de um desejo. Algo como: eu te amo porque: você a ama, e eu a amo inconscientemente. A 

publicidade sempre foi pautada pelo Desejo Mimético: compra-se a bolsa que a modelo usa na propaganda, mas o que está subjacente, é o desejo que a modelo causa no consumidor. 

Nas Redes Sociais o Desejo Mimético causa o desejo das pessoas pelos produtos que as 

outras curtem, e fazem as pessoas trabalharem voluntariamente, embora inconscientemente, e de maneira não remunerada, para o Facebook, a cada simples “curtida” ou demonstração de “interesse” por algum evento, pois o rastro de seu desejo fica registrado, e outras pessoas o vêem posteriormente. É uma sofisticação da Mais Valia marxista: agora além do trabalho ser expropriado e alienado, ele não é remunerado, e faz girar a engrenagem da alienação, além de gerar alguns milhões de Dólares em anúncios.


 

Para você é mais importante: Conhecimento ou Sabedoria?

25 março, 2023

Na Revista do SESC de Julho de 2019, há um texto de Christoph Wulf, historiador cultural, em que ele fala sobre a sabedoria num mundo que prima pelo conhecimento. A sabedoria é desvalorizada porque não é rentável, e requer outra forma de lidar com o tempo, que não a da cronocracia, isto é, o domínio do tempo. A desaceleração do cotidiano sem um objetivo específico seria, para ele, a maneira de interagirmos com os outros, com as coisas, ou consigo mesmo. Para ele, a consciência da finitude é importante para esta contemplação da vida, em paralelo com a exigência de aceleração imposta pelo capitalismo global, em que a aceleração do tempo torna-se um meio de exploração abusiva dos recursos humanos. Para o autor, o tempo “otimizado” é um instrumento de dominação. Os acontecimentos não são classificados por importância ou valor, mas por uma sucessão produtiva que empobrece a existência. 

 

Transformar Vivência em Experiência

25 março, 2023

É possível falar da claustrofobia das pessoas no mundo administrado, um sentimento de encontrar-se enclausurado numa situação cada vez mais socializada, como uma rede densamente interconectada. Quanto mais densa é a rede, mais se procura escapar, ao mesmo tempo em que precisamente a sua densidade impede a saída. Isto aumenta a raiva contra a civilização. Esta torna-se alvo de uma rebelião violenta e irracional.” Adorno -

Educação após Auschwitz.

A aceleração dos acontecimentos não costuma ser bem assimilada pelo psiquismo. Maria Rita Kehl em “O tempo e o cão”, considera a depressão decorrente da superexposição a um tempo que é marcado pela continuidade de vivências (Walter Benjamin) que não são assimiladas como experiências pelo Sujeito. 

“O tempo, ‘tecido da nossa vida’ no dizer de Antônio Cândido, é também a condição ontológica do psiquismo. A qualidade que define o psíquico não é espacial, é temporal; daí a dificuldade dos neurocientistas em localizar, no tecido cerebral, o inconsciente freudiano.” (p. 112).

Para Maria Rita Kehl há uma relação entre o aumento dos casos de depressão, e a urgência que a vida social imprime à experiência subjetiva do tempo. “A temporalidade tecida de uma sequência de instantes que comandam sucessivos impulsos à ação, não sustentados pelo saber que advém de uma prévia experiência de duração, é uma temporalidade vazia na qual nada se cria, e da qual não se conserva nenhuma lembrança significativa capaz de conferir valor ao vivido.” (p. 116). Ela sugere a análise como um refúgio do tempo frenético do neoliberalismo, onde as Demandas sociais e o Gozo se sobrepõem ao Desejo, de tal maneira, que conduzem ao adoecimento: “(...) Na duração do tempo diacrônico (de historização, durante o processo de análise, da verdade do Sujeito) instaurado por esta magia lenta que é a Psicanálise, os depressivos se instalam aliviados, sem pressa, seguros de que é dessa temporalidade distendida que eles precisam para se libertar da pressão aniquiladora das demandas do Outro.” (p.119).

O estar no mundo com os outros fica comprometido, segundo a autora, pois há uma exigência de extroversão que impede, aos poucos, a subjetivação das vivências, para a transformação em experiência.

 

Postamos um ideal de nós para nós mesmos.

25 março, 2023

A defasagem entre a imagem do que se posta nas Redes Sociais, e aquilo que se vive realmente, remete imediatamente ao Estádio do Espelho de Lacan. As pessoas vivem a postar um ideal de si. Quanto mais postam, mais sentem-se distantes daquilo que veem nas Redes Sociais. Todo ideal impele à compulsão à destruição deste mesmo ideal. Uma relação violenta com a própria imagem, e com a imagem dos pares é construída. As pessoas se autorizam a criticar outras pessoas com uma violência que não haveria normalmente nas relações estabelecidas pessoalmente. Ideologias se polarizam, e não é difícil perceber o mal uso político dessa polarização.

 

Mal-estar que vem da autoexigência

25 março, 2023

Era da Positividade

“O homem contemporâneo vive tão completamente imerso na temporalidade urgente dos relógios de máxima precisão, no tempo contado em décimos de segundo, que já não é possível conceber outras formas de estar no mundo que não sejam as da velocidade e da pressa.” Maria Rita Kehl - “O tempo e o cão. Um giro dialético nessa questão é apresentado por Byung-Chul Han em “Sociedade do cansaço”, muito embora ele faça uma crítica equivocada à Psicanálise, pois parece desconhecer o estudo de Lacan acerca dos Quatro Discursos (Seminário XVII), mais precisamente, do Discurso do Capitalista. Para o filósofo coreano, as Ciências Humanas do Século XIX foram influenciadas pelo Espírito dos Tempos relativo às questões que ele chama de Positivas (ele escreveu "Sociedade do Cansaço" antes do COVID19: a humanidade era ameaçada por vírus e bactérias que ainda não haviam sido devidamente controlados, colocando esta preocupação como principal na ciência daquela época. Acontece que a matriz terminológica Positiva, se espraiou em direção às outras ciências, desde a Arquitetura à Filosofia, a exemplo do Panóptico, estrutura tão analisada por Foucault, onde os indivíduos podem se ver ou vigiar mutuamente de qualquer lugar da estrutura arquitetônica. Positivo é, para Byung-Chul Han, algo que vem de fora para dentro. Acometimentos contemporâneos como o Burnout seriam desencadeados por questões Negativas: não é mais um vírus, uma bactéria, ou um olhar, que se inocula no indivíduo na Sociedade Neoliberal, mas um imperativo, vivido como massacrante, 

relativo à performance social. Para o filósofo, a cobrança não vem de fora, mas do próprio indivíduo, que posta incessantemente nas Redes Sociais, mais para si do que para os outros, tudo para garantir diante de si mesmo uma imagem que corresponda a sua melhor performance, uma imagem do seu ideal. 

 

A falta da Falta

22 março, 2023

Pensando a gênese da relação do homem com a proibição, podemos nos remeter à “Horda
Primeva”, onde Freud discute a questão da internalização culposa da figura parental, que origina a instância psíquica do Superego (Mal estar na Cultura - Freud). Lacan sofistica a questão em: “Kant com Sade” um texto dos “Escritos” que ele escreveu como resenha para uma montagem da Peça de Teatro: “Filosofia na Alcova” de Marquês de Sade. Para ele a Peça fornece a verdade inconsciente da crítica moral: o bem se apresenta, dentro de nós, através de ordens internas. Um esforço em direção ao Gozo, é o que é referido nas peças de Sade, que elucidam o esvaziamento da experiência desejante, pois se o Gozo é um imperativo, funciona como uma Demanda, e onde há Demanda, por definição, não pode haver a tensão desejante. Desejo é um instante antes do Gozo. O que é possível desejar numa sociedade onde tudo pode ser adquirido com um clique? Qual será a consequência disso no psiquismo, e que relação isso pode ter com a Depressão?

 

A libido e o líder

22 março, 2023

“O que a Psicologia denomina Superego, consciência moral, é substituído no contexto dos 

compromissos por autoridades exteriores (...) justamente a disponibilidade em ficar do lado do poder, tomando exteriormente como norma, curvar-se ao que é mais forte, constitui aquela índole dos algozes que nunca 

mais deve ressurgir. As pessoas que os assumem mais ou menos livremente são colocadas numa espécie de permanente estado de exceção de comando. O único poder efetivo contra o princípio de Auschwitz seria 

autonomia, para usar a expressão kantiana; o poder para a reflexão, a autodeterminação, a 

não-participação.” Adorno - Educação após Auschwitz.

Numa palestra, o filósofo Vladimir Safatle explicou que o advento do Cartão de Crédito modificou a relação do Sujeito com o seu Desejo: desde então, não é necessário adiar a 

satisfação momentânea de um desejo material. Com o Cartão, a lógica de acesso se inverte: não só antecipando a aquisição, mas também enfatizando o funcionamento ambivalente do Supereu. Não se trata mais, como na época de Freud e da sociedade de produção, de uma Instância que barra o Gozo sem limites, e nem 

somente de uma relação de permissão e de proibição, mas também de incitação permanente, 

já que na nossa sociedade de consumo existe um discurso publicitário que enfatiza a tentativa de transformação do vazio, inerente ao Ser, em consumo.

A relação do homem com a proibição é muito discutida pelas Ciências Humanas. 

O filósofo Luc Ferry, supôs o declínio da Função Paterna, e a foraclusão generalizada do Nome-do-Pai, mas esta proposta confunde Imago Paterna, que, de forma geral, é um conjunto de representações verticais de instituições, leis invisíveis, que mantêm a estrutura político-ideológica em funcionamento hierárquico, com Função Paterna, que é a operação psíquica necessária para a fundação do Sujeito do Inconsciente, cuja falha resulta na Estrutura Psicótica. O retorno do discurso fascista no mundo é indício de que 

infelizmente a Imago Paterna continua atuante.

 

Para onde estamos "evoluindo"?

20 março, 2023

Há no humano uma plasticidade. Principalmente no que se refere à possibilidade de abstração. A adoção da postura ereta modificou o corpo humano, deslocando a primazia do olfato para a visão. Não procuramos mais a reprodução da espécie com o uso do olfato como faziam os nossos antepassados. Estamos longe disso: desejamos alguém, por exemplo, por algo que vemos nesta pessoa, não necessariamente para procriar. Se houver uma afirmação neste sentido, é meramente produtora de uma ideologia político-religiosa, e Negacionista.

A nova postura possibilitou ao homem o comportamento cultural ao modificar o instinto olfativo, extinguindo o Cio feminino, encurtando a 

gestação a ponto do bebê humano nascer prematuro (gênese do apego), e modificando para sempre o comportamento sexual, que não se restringe à mera reprodução, pelo contrário, 

trata-se de um comportamento social importante. 

Nos “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”, Freud nos conscientiza de que a 

sexualidade humana não se restringe à atividade sexual, mas se generaliza a todos os 

campos da existência humana, se Canaliza, se Sublima, se localiza em outros órgãos que não somente os sexuais. A cultura libertou os órgãos sexuais da função procriativa. 

A postura ereta também alongou o corpo, possibilitando a pintura rupestre, gênese do 

simbólico; o alongamento do pescoço modificou a anatomia, transformando o sistema fonador, o que possibilita o comportamento verbal, a fala, e a cultura.

Em “A fábrica da infelicidade” de Franco ‘Bifo’ Berardi, ele afirma que, a superexposição 

à internet futuramente pode gerar uma nova Evolução: 

“É preciso abandonar o preconceito segundo o qual o Homo Sapiens representa o ponto de chegada último e máximo da Evolução...”. 

Segundo o autor, este preconceito atrapalha na compreensão das mutações que levam ao que ele chama de Organismo Bioconsciente. 

O autor, tal qual Achille Mbembe, filósofo africano autor da Necropolítica (conceito que faz 

referência à Biopolítica de Foucault), afirma que estamos chegando ao final da era humanista, e a principal causa disso seria o Neoliberalismo.

 

O excesso de exposição à internet prejudica a criatividade, e dá a impressão de que o outro sempre está disponível.

19 março, 2023

No livro “Reinvenção da intimidade”, o psicanalista Dunker esclarece a questão do prejuízo causado pela exposição ao mundo virtual desde a primeira infância, no capítulo 

“Intoxicação digital infantil”. Ele nomeia de “superoferta de presença” a crença que a criança pode desenvolver: de que o outro está sempre disponível. Descreve a diferença que os nativos digitais têm, se comparados às gerações anteriores, que aprenderam a lidar e criar a partir da ausência, exemplificando pela brincadeira do Fort-da freudiano. Para Christian Dunker, os momentos de ausência são momentos de simbolização: as crianças aprendem a criar momentos lúdicos, a se acalmarem e a se interessarem pelo outro. O psicanalista discute também a questão da seleção à informação que a criança está sujeita: a bolha virtual faz desaparecer a diferença, pois as informações filtradas pela bigdata e pelas targets tornam-se cíclicas. O desaparecimento da alteridade certamente acarreta problemas de convivência. Ele discute também a redução do arco de trabalho subjetivo, que articula a 

experiência de satisfação e Desejo. A imersão nos jogos e redes sociais pode causar 

distúrbios relativos à volição, pois a vida real não é cíclica e nem recompensadora como os 

jogos e imagens com as quais a criança se identifica. Ele destaca que falta pessoalidade e 

singularidade na sequência de informações encontradas na internet. Isso pode conduzir ao 

fracasso na constituição de experiências de intimidade. Passa a existir uma aversão a 

situações em que as regras não possam ser instantaneamente desfeitas ou renegociadas. As 

crianças ficam expostas a um mundo irreal, uma vez que as pessoas tendem a postar uma 

imagem ideal de si, que naturalmente contrasta com a vida real da criança e ao seu redor. Há uma primazia de atos e comportamentos em detrimento às palavras e representações, na 

vida virtual, e a consequente precariedade simbólica. Perde-se também o timing da fala, pois na conversa real há sutilezas como o silêncio que quer dizer algo, que na virtual não existe. 

Apesar destas observações,  Dunker não julga a internet como causadora de patologias. Segundo ele, a internet só exacerba disposições já existentes.

 

A superexcitação do sistema perceptivo pelas multitarefas e o seu respectivo mecanismo de defesa: TDAH.

18 março, 2023

O que convencionou-se chamar de Defcit de Atenção, ou Hiperatividade, é, na verdade (inconveniente ao Capitalismo), uma proteção contra o excesso de estímulos que se oferecem no cotidiano a quem interage excessivamente com o mundo virtual. A função da comunicação foi pervertida pela interatividade virtual.

Em "A ordem simbólica da mãe”, da filósofa italiana Luisa Muraro, ela fala sobre a mãe distinta da função materna tradicional, a mãe na sua dimensão sinestésica: "Estou falando do corpo que fala, estou falando da voz. Pode ser a voz do tio, da avó, ou de um amigo. A voz de um ser humano é a única forma de garantir de maneira afetiva a consistência semântica do mundo. A rarefação da voz transforma a interpretação num ato puramente econômico, funcional e combinatório.” 

Franco ‘Bifo’ Berardi critica a superexcitação do sistema perceptivo pelas multitarefas: 

“(...) A comunicação alfabética possui um ritmo que permite ao cérebro uma recepção lenta, sequencial, reversível. São estas as condições da crítica, que a modernidade considera condição essencial da democracia e da racionalidade. Porém, o que significa “crítica”? No sentido etimológico, crítica é a capacidade de distinguir, particularmente, de diferenciar entre a verdade e a falsidade das afirmações. Quando o ritmo da afirmação é acelerado, a possibilidade de interpretação crítica das afirmações reduz-se a um ponto de aniquilamento. 

McLuhan escreveu que quando a simultaneidade substitui a sequencialidade - ou seja, quando a afirmação se acelera sem limites - a mente perde sua capacidade de discriminação crítica, passando daquela condição a uma neomitológica.”.

 

Nativos Digitais e a sua relação com a Semiótica

18 março, 2023

“É preciso reconhecer os mecanismos que tornam as pessoas capazes de cometer tais atos, é preciso revelar tais mecanismos a elas próprias, procurando impedir que se tornem novamente capazes de tais atos, na medida em que se desperta uma consciência geral 

acerca desses mecanismos.” Theodor Adorno, 1986 - Educação após Auschwitz.

A internet, originalmente Arpanet, foi criada em 1969 pela Defensoria dos EUA para 

preservar virtualmente: a comunicação, e o conteúdo científico, de possíveis bombardeios (Folha, 2001). O modo com que ideologicamente vem sendo utilizada hoje, não deixa de remontar à sua origem. 

A questão da influência da internet nas subjetividades me interpela desde que li uma 

entrevista de Franco ‘Bifo’ Berardi, “Os transtornos mentais provocados pelas mudanças 

neoliberais” concedida a Juan Íñigo Ibánez, e publicada no site Outras Palavras, sobre as 

implicações afetivas no fenômeno do letramento, causadas pelo fato das primeiras interações com as letras serem mais por via dos smartphones do que pela voz materna:

Franco ‘Bifo’ Berardi argumenta que a expressão: “nativo digital” não é meramente 

metafórica. Trata-se de uma definição capaz de nomear a mutação cognitiva 

contemporânea:

“A primeira geração conectiva, aquela que aprendeu mais palavras por meio de uma máquina do que pela voz da mãe, encontra-se numa condição verdadeiramente nova, sem precedentes na história do ser humano. É uma geração que perdeu a capacidade de valorização afetiva da comunicação, e que se vê obrigada a elaborar os fluxos semióticos em condições de isolamento e de concorrência.”.

Ele cita o livro: “A ordem simbólica da mãe”, da filósofa italiana Luisa Muraro, onde ela 

argumenta que a relação entre significante e significado é garantida pela presença física e 

afetiva da mãe:

“O sentido de uma palavra não se aprende de maneira funcional, mas afetiva. Eu sei que uma 

palavra possui um sentido - e que o mundo como significante possui um sentido - porque a 

relação afetiva com o corpo de minha mãe me introduz à interpretação como um ato essencialmente afetivo. Quando a presença afetiva da mãe torna-se rara, o mundo perde calor semiótico, e a interpretação fica funcional".

 

A atividade interativa mediada pela internet pode modificar o funcionamento psíquico e, consequentemente, a corporeidade?

13 março, 2023

Quais as implicações disso para: a subjetividade e a coletividade?

Pretendo realizar uma pesquisa acerca das consequências do Ethos Virtual contemporâneo para a corporeidade, tendo como método a Psicanálise Aplicada. Penso que a superexposição ao mundo virtual reflete no psiquismo, e consequentemente, no corpo, lembrando que, para a Psicanálise, o corpo humano é menos biológico do que atravessado pela linguagem.

No Seminário XVI, Lacan utiliza a figura matemática da Banda de Moëbius para demonstrar que há no Sujeito uma continuidade entre dentro e fora, daí o caráter social do inconsciente. Autores como: o filósofo coreano Byul-Chul Han, e o sociólogo italiano Franco ‘Bifo’ Berardi, podem acrescentar importantes contribuições ao estado de arte do Ethos Virtual no que se refere à subjetividade. A Psicanálise Lacaniana contemporânea pode ajudar a desenvolver os pensamentos destes autores no que concerne ao campo do inconsciente. Proponho uma interlocução entre: o Seminário XVI de Lacan: “De um outro ao Outro”; a Psicanálise Lacaniana contemporânea; e os dois autores citados anteriormente, acerca da influência que o mundo virtual tem no psiquismo, mais propriamente, na corporeidade. Procurarei responder de que maneira a influência que a internet tem na vida contemporânea pode transformar as subjetividades, e afetar o funcionamento psíquico e corporal, passando pela discussão sobre a aceleração imposta pelo capitalismo global, que atende ao propósito da dominação, e dilui a convivência, restringindo o contato entre as pessoas que, imersas no mundo virtual - muitas vezes desde o começo da vida - precarizam a alteridade pela falta de exposição à diferença por consequência da seleção algorítmica de conteúdo (as famigeradas “bolhas”). A longo prazo, este fenômeno reduz a capacidade de crítica social, já que o isolamento promove a ilusão de que se pode prescindir do outro, desarticulando a Pólis, engendrando uma crise de representatividade política. Proponho estudar o atual Mal-Estar na Cultura, no que tange aquilo que Franco ‘Bifo’ Berardi chama de cibertempo: uma relação entre a veloz informação encontrada e criada no ciberespaço, e a (in)capacidade que o organismo consciente tem, de elaborar as informações que provêm da Internet: “A esfera objetiva do ciberespaço se expande com a velocidade da replicação digital, mas o núcleo subjetivo do cibertempo evolui a um ritmo lento: o ritmo da corporeidade, do Gozo, e do sofrimento.” (Berardi, A fábrica da felicidade, página 19).

 

Freud foi um gênio raro

11 março, 2023

Em 1921, em “Mais além do Princípio do Prazer” Freud antecipara a Neurologia que conhecemos hoje sem a tecnologia que nos é disponível, e em 1900 antecipara a Linguística, que ainda não existia, destacando a importância das palavras já nos “Estudos sobre os sonhos”.


Para Walter Benjamin, Freud estabelece uma correlação entre memória (no sentido de Memória Involuntária de Proust), e o consciente. Nas palavras de Freud: “O consciente surge em lugar de uma Impressão Mnemônica”. Impressão Mnemônica é uma espécie de feixe formado por neurônios que ligam palavras à imagens acústicas, ou imagens visuais, e que funcionam como espécie de ponte entre interior e exterior. “Resíduos Mnemônicos são frequentemente mais intensos e duradouros, se o processo que os imprime jamais chega ao consciente.”. Daí a necessidade de tornar conscientes conteúdos inconscientes através do endereçamento da fala do paciente ao analista.


Para Freud: “A função de acumular traços permanentes como fundamento da memória está reservada a sistemas que são diversos da consciência” - O consciente não registra nenhum Traço Mnemônico, porque o consciente teria a função de agir como proteção contra estímulos. A teoria psicanalítica procura entender a natureza do choque traumático a partir do rompimento da proteção contra o estímulo. 


Esta investigação de Freud foi produzida a partir dos sonhos típicos dos neuróticos traumáticos: sonho que reproduz a catástrofe que os atingiu. Sonhos dessa natureza procuram recuperar o domínio sobre o estímulo, desenvolvendo a angústia cuja omissão se tornou a causa da neurose traumática. 


Em outras palavras: o sonho monta uma repetição de uma cena traumática para que, desta vez, o sonhador possa se antecipar à conclusão da cena, através da angústia, e não ser pego de surpresa, como foi na realidade diante do fato traumático.


Sonhemos, pois.

 

Memória Involuntária

11 março, 2023

Continuando o pensamento de Walter Benjamin: para Proust, fica ao acaso se cada indivíduo adquire ou não uma imagem do seu próprio passado, e se pode ou não apossar-se de sua experiência. 


Isso me remete à Banda de Möebius: figura geométrica cujo interior tem uma continuidade com o exterior, e é muito utilizada pela Psicanálise lacaniana como uma analogia ao funcionamento do Sujeito lacaniano - o que está dentro, está fora, não existe um inconsciente que não seja formado a partir de algum contato com a realidade social.


Além da memória que pode ser recobrada através do encontro com objetos, temos também em Proust a memória involuntária dos membros do corpo: “Elas penetram no consciente independente de qualquer sinal deste, desde que, uma coxa, um braço, ou uma omoplata, assuma involuntariamente, na cama, uma posição tal, como o fizeram uma vez no passado”. Portanto só aquilo que não foi vivenciado, ou seja, expresso conscientemente, é que pode se tornar objeto da Memória Involuntária.


Jornalismo, Narrativa, e imaginação


“As inquietações de nossa vida interior, não têm, por natureza, um caráter irremediavelmente privado. Elas só adquirem (o caráter privado) depois de se reduzirem as chances dos fatos exteriores se integrarem à nossa experiência.”. Walter Benjamin critica as técnicas da comunicação jornalística, como por exemplo, a falta de conexão entre uma notícia e outra, ou a falta de aprofundamento em lugar da descrição de notícias, como um isolamento dos acontecimentos do âmbito onde pudessem afetar a experiência do leitor. Isso, para ele, tolhe a imaginação. Na narrativa, temos um efeito contrário: “Ficam impressas as marcas do narrador como os vestígios das mãos do oleiro no vaso de argila.”, “Onde há experiência, no sentido estrito, entram em conjunção na memória certos conteúdos do passado individual, com outros do passado coletivo.”, daí o efeito das festas e rituais.

 

Memória

11 março, 2023


Conversando com um paciente sobre objetos que nos remetem a momentos emocionantes, lembrei de um texto genial de Walter Benjamin: “Sobre alguns temas em Baudelaire”, que podemos encontrar em “Obras escolhidas: magia, arte e política”. Numa das ocasiões em que participei de maneira mal sucedida dos processos seletivos para o Mestrado em Letras, de modo bem sucedido, em compensação, abriu-se o mundo da Crítica Literária para mim. Uma vez, ao contar isso a um caro poeta, ele me respondeu dizendo que eu estava a entregar a minha alma à leilão, querendo dizer da contingência positiva de ter me deparado com a Crítica Literária, com a Poesia... Concordo com ele, e levo estas palavras comigo para lembrar sempre que preciso.


Neste texto, Walter Benjamin discute aquilo que ele chama de Memória Involuntária, um conceito encontrado tanto na Literatura, como na Poesia, e na Psicanálise.


Memória Involuntária


A Memória Involuntária é criada por processos inconscientes: “Forma-se menos com dados fixados na memória, do que com dados acumulados inconscientemente que afluem à memória”. Na obra de Proust, “Em busca do tempo perdido” analisada por Walter Benjamin neste texto: “Até aquela tarde em que o sabor da Madeleine o tivesse transportado de volta aos velhos tempos, sabor a que se reportará, então, frequentemente...”, a memória da infância de Proust surge através de um sabor que remete à vivência na cidade natal, e que ainda não tinha sido recobrada. Proust destaca o caráter contingencial desta lembrança, condicionando-a ao encontro com um objeto, no caso, a Madeleine (um bolinho típico francês, de limão), lembrança que, se houvesse um esforço consciente para que acontecesse, não teria havido. Nas palavras de Proust: - “É isto que acontece com nosso passado: Em vão, buscamos evocá-lo deliberadamente, todos os esforços (conscientes) de nossa inteligência são inúteis...”.


Walter Benjamin continua: “Para Proust, o passado encontrar-se-ia em um objeto material qualquer... em qual objeto não sabemos, e é questão de sorte se nos depararmos com ele antes de morrermos, ou se jamais o encontrarmos.”.

 

Pesadelos e Pandemia.

11 março, 2023


Estamos vivendo coletivamente numa época em que somos expostos a sobressaltos contínuos, e quando o fluir da respiração acaba de ser recobrado, somos expostos a mais um susto, e assim sucessivamente. 


Os nomes da comoção


Mortes em números crescentes causadas pela pandemia; suicídio político; infecção pelo COVID que acomete a parentes e conhecidos; demissões nossas ou de pessoas que conhecemos; restrição: do espaço, do ir e vir, de festas, reuniões pessoais, e cultos que não podem acontecer; injustiças; ter que trabalhar para sobreviver; não poder trabalhar para sobreviver; instabilidade econômica; impossibilidade de previsão do resultado social disso tudo; Negacionismo; Necropolítica; Eugenia; impossibilidade de velar nossos mortos; informações oficiais contraditórias; espetáculos montados por assessores de imprensa onde se encena autoritarismo televisionado; pessoas que transformam tristeza em raiva e atacam quem está mais próximo; a acentuação da desigualdade social: são alguns dos nomes que podemos dar ao que têm nos acometido atualmente.


A arte e a criatividade como antídoto


A oratória dos que generosamente fazem as Lives acontecerem, os músicos que insistem em criar para que o nosso coração insista em querer continuar batendo, os modos surpreendentes como inventamos maneiras de continuar nos amando à distância: o Desejo nos salva.

 

Não há tecnologia mais avançada do que a fala humana. Já havia percebido isso?

11 março, 2023

Análise é um tratamento que possibilita decifrar questões que encontram-se cifradas, sentidas pelas pessoas na forma de crise, ou mal-estar: 


Seja físico, através daquilo que se convencionou chamar de fenômenos psicossomáticos; 


Seja psíquico, quando o sofrimento manifesta-se através dos pensamentos; 


E até mesmo quando há dificuldade de lidar com os próprios atos que são contrários àquilo que a pessoa espera de si, ou os outros esperam dela.


Há questões emocionais que incomodam, e que se repetem. A configuração destas questões é muito singular: tem a ver com a história de cada um. Cada pessoa sente de maneira muito particular aquilo que a acomete. Por essa peculiaridade, é fundamental falar sobre o sofrimento. Mais adiante entenderemos o que a fala tem a ver com o tratamento, mas posso adiantar que através da construção de uma narrativa sobre o sofrimento é possível transformar algo dessa condição a cada sessão.


A análise é um processo que apresenta descobertas a cada sessão, com resultados duradouros. Não é possível fazer uma previsão taxativa de resultados, pois cada um traz uma questão e aquilo que levou uma vida para se constituir como um sofrimento não pode ser imediatamente transformado mas, por meio da construção de uma história falada pelo paciente, é possível dizer mais do que pretendia, e através disso: escutar o que há encoberto no sofrimento, desvelar, e resolver a cada sessão. Na análise falamos sobre o mal-estar: aquilo que inicialmente é descrito como uma condição a qual a pessoa encontra-se "destinada". Através das descobertas que a análise promove, a própria pessoa percebe que a dificuldade tratava-se da manifestação de conflitos inconscientes, e da reatualização de situações passadas e afastadas da consciência, porém, não totalmente esquecidas.


O mal-estar pode se manifestar como: luto, situações de crise que se repetem, perplexidade decorrente de ocorrências traumáticas, sentimentos e sensações físicas desagradáveis (pânico, depressão, timidez, angústia, fobias, compulsões, estresse, agressividade, ciúmes, procrastinação), adoecimento corporal (impotência sexual, transtornos alimentares, abuso de drogas), problemas amorosos, familiares, financeiros, no trabalho, repetição de padrões problemáticos nos relacionamentos...


Mal-estar é a manifestação de um conflito que funciona enquanto mantém inconsciente um significado considerado desagradável pela consciência através de mecanismos de defesa psíquicos do eu. Repressão e negação de conteúdos são mecanismos comuns, mas que requerem um dispêndio de energia para manterem-se atuantes, separando o afeto da respectiva representação. Faz-se necessário o reconhecimento de uma parte de nós que funciona à nossa revelia, o inconsciente, que é estruturado como uma linguagem, pois é através da decifração das formações do inconsciente que afeto e representação podem se reunir tornando aquilo que estava inconsciente disponível para ser melhor elaborado.


As pessoas invariavelmente iniciam a análise se queixando da vida ou dos outros. Chegam como vítimas: do "destino", de uma "sina" familiar, dos acontecimentos, ou das ações de outras pessoas - de algo alheio, que sentem que não podem fazer nada para controlar, mas querem mudar. 


Com a análise o paciente percebe a sua participação naquilo que o faz sofrer, e também no que o faz melhorar. Para que a pessoa viva de uma maneira considerada melhor por ela mesma, precisa saber como participa inconscientemente do que se queixa. Muitos pacientes se surpreendem com essa descoberta, que gera resoluções e melhorias em todas as dimensões da sua existência.


Para que isso aconteça, é desejável que durante a sessão o paciente fale o mais livremente possível, sobre tudo o que vier à mente, sem selecionar o conteúdo, mesmo que algo pareça não ter nada a ver com o assunto que está sendo tratado, ou com a questão que o levou a procurar analisar-se. A "associação livre", é uma método descoberto por S. Freud (Fundador da Psicanálise), no início do Séc. XIX: essa regra fundamental da Psicanálise é utilizada até hoje pois possibilita o acesso aos conteúdos inconscientes, e a consequente elaboração destes conteúdos. 


A Psicanálise é mundialmente reconhecida e cada vez mais pesquisada.


Não há tecnologia mais avançada do que a fala humana. Já havia percebido isso?


A fala cifra, e decifra.


 

Sobre a Psicóloga Kátia Bizzarro

11 março, 2023


Sobre a Psicóloga Kátia Bizzarro 


CRP: 06/89188 PUC-SP


Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/9626137493200831


Última atualização do currículo em 24/10/2015


Psicanalista. Graduação em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC­SP). Constante estudo acerca da psicanálise lacaniana. (Texto informado pelo autor)


Formação acadêmica/titulação


04/08/2016 Currículo do Sistema de Currículos Lattes (Kátia Bizzarro)


http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4401689A2 2/4


2002 ­ 2007 Graduação em Faculdade de Psicologia PUC­SP. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC/SP, Brasil. Título: Ilusão e Psicoterapia: Um estudo sobre o campo transferencial. Orientador: Elisa Marua Uchôa Cintra.


2015 Extensão universitária em Núcleo Psicanálise e Sociedade. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC/SP, Brasil.


2015 Cartel. Fórum do Campo Lacaniano ­ São paulo.


2014 Rede de Pesquisa Fund. da Clínica e Formalização. Fórum do Campo Lacaniano ­ São paulo.


2012 ­ 2014 Formações Clínicas do Campo Lacaniano. Fórum do Campo Lacaniano ­ São paulo.


2012 ­ 2012 Real, Simbólico e Imaginário ­ M.A. Coutinho Jorge. (Carga horária: 6h). Centro de Estudos Psicanalíticos.


2012 ­ 2012 Psicanálise e formações discursivas. Universidade de São Paulo.


2011 ­ 2011 Evento: "Sublimação e Poder" Joel Birman. (Carga horária: 3h). Centro de Estudos Psicanalíticos.


2011 ­ 2011 Reunião temática: "Folie à deux" Mauro Mendes Dias. (Carga horária: 2h). Centro de Estudos Psicanalíticos.


2011 ­ 2011 A Psicanálise das Psicoses NEPPSI. (Carga horária: 48h). Instituto de Psiquiatria.


2011 ­ 2011 Simpósio de Psicanálise e Corpo ­ Concepções e Dir. (Carga horária: 10h). Universidade São Marcos.


2010 ­ 2011 Curso de Psicanálise Fundamentos de Freud a Lacan. (Carga horária: 128h). Centro Lacaniano de Investigação da Ansiedade.


Formação Complementar


04/08/2016 Currículo do Sistema de Currículos Lattes (Kátia Bizzarro)


http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4401689A2 3/4


Centro Lacaniano de Investigação da Ansiedade.


Vínculo institucional


2007 ­ 2008 Vínculo: Colaborador, Enquadramento Funcional: Estágio curricular de Psicologia clínica, Carga horária: 9


Outras informações Atendimento de adultos, individual, supervisionado nas abordagens: psicanalítica, junguiana e fenomenológico­existencial como parte da formação de Psicóloga Clínica.


Vínculo institucional


2007 ­ 2007 Vínculo: Colaborador, Enquadramento Funcional: Estágio extra­curricular, Carga horária: 2


Outras informações Participação como estagiária de Psicologia clínica, no atendimento tanto do grupo de pais, quanto do grupo de crianças encaminhadas para a "Clínica da PUC" pelas instituições educacionais com o diagnóstico de hiperatividade. O trabalho visava produzir o questionamento do diagnóstico e investigar as questões familiares e inerentes ao funcionamento da instituição educacional que irrompiam nos comportamentos que eram considerados inadequados pela mesma instituição e resultavam no encaminhamento para a instituição médica e posteriormente, para a instituição psicológica.


Vínculo institucional


2006 ­ 2006 Vínculo: Colaborador, Enquadramento Funcional: Estágio curricular de Psicologia clínica, Carga horária: 3


Outras informações Psicodiagnóstico supervisionado na abordagem psicanalítica.


Vínculo institucional


2005 ­ 2005 Vínculo: Colaborador, Enquadramento Funcional: Estágio curricular de Psicologia clínica, Carga horária: 2


Outras informações Triagem para colaborar com os encaminhamentos internos e externos à Clínica da PUC­SP, e atualizar as demandas de atendimento.


Vínculo institucional


Clínica Psicológica Ana Maria Poppovic, CLÍNICA DA PUCSP, Brasil.


Centro de Referência e Treinamento em DST/AIDS do Estado de São Paulo, CRT­DST/AIDS, Brasil.


Atuação Profissional


04/08/2016 Currículo do Sistema de Currículos Lattes (Kátia Bizzarro)


http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4401689A2 4/4


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2006 ­ 2006 Vínculo: Colaborador, Enquadramento Funcional: Estágio curricular em inst. de saúde., Carga horária: 45


Outras informações Participação como estagiária no "Grupo de adesão ao tratamento", isto é, um dispositivo de psicoterapia em grupo, com a finalidade de refletir acerca da resistência à adesão ao tratamento por parte dos pacientes portadores do vírus HIV, e desenvolver pesquisa no intuito de identificar as dificuldades (emocionais, relativas ao preconceito, financeiras, de logística de distribuição, etc...) e melhorar o programa de tratamento pensando nos usuários.


Vínculo institucional


2006 ­ 2006 Vínculo: Colaborador, Enquadramento Funcional: Estágio curricular em inst. educacional, Carga horária: 30


Outras informações Realizei um trabalho como estagiária de Psicologia, fazendo parte de um estudo longitudinal que já se encontrava em processo antes, e continuou depois da minha intervenção. Havia uma queixa de falta de motivação por parte das educadoras, e ao meu trabalho coube investigar o que havia para além da queixa, fazendo um diagnóstico da instituição. Questões políticas como: a incidência do neoliberalismo sobre o funcionamento das organizações não governamentais ­ na época ­ como suplência da precariedade do serviço oferecido pela prefeitura, afetava as condições de trabalho das educadoras e a possibilidade delas se especializarem.


Turma da Touca Associação Cult. Recreativa e Social, CEI TOUCA I, Brasil.


1. Grande área: Ciências Humanas / Área: Psicologia / Subárea: PSICANÁLISE/Especialidade: PSICANÁLISE LACANIANA. 


Áreas de atuação


Espanhol Compreende BemLê Bem.


Inglês Compreende Bem, Fala Pouco, Lê Bem, Escreve Razoavelmente.


Algumas publicações:


Texto de minha autoria para o Observatório da Imprensa:


http://goo.gl/ICJktM


Contribuição para matéria na Revista Polishop:


https://goo.gl/fuk2OH


Trabalho sobre a angústia:


https://drive.google.com/file/d/0B7mNEa3Q8xFrOXl4YVduelE0aUU/view?usp=sharing


Trabalho de conclusão para a Graduação em psicologia na PUC-SP:


https://drive.google.com/file/d/0B7mNEa3Q8xFrMjNQdFNvTi1xMHc/view?usp=sharing


 Kátia Bizzarro - Psicóloga e Psicanalista


CRP: 06/89188 PUC-SP


Consultório: Rua Cincinato Braga, 340. Bairro: Paraíso. S. Paulo-SP.


Próximo da Avenida Paulista. Metrô Brigadeiro. Valet no local.


Atendimento com hora marcada.


Entre em contato para agendar a primeira sessão: 11 94323-1001


Neste consultório todas as pessoas são tratadas com dignidade e aceitação.


O compromisso ético da profissão é um direito do paciente: sigilo, apoio emocional, e respeito à individualidade.

 

Este consultório oferece atendimento psicanalítico com a missão de acolher quem deseja ser escutado no seu sofrimento

11 março, 2023

Este consultório oferece atendimento psicanalítico com a missão de acolher quem deseja ser escutado no seu sofrimento a fim de desenvolver um modo de lidar com o mal estar, e resolver gradualmente a questão considerada um problema.


Sessão a sessão, o processo psicanalítico possibilita que o paciente elabore a própria condição, à medida que passa a construir gradualmente um saber sobre o que está implicado na questão da qual se queixa.


Atendimento psicológico clínico profissional, individual, para adultos, na abordagem psicanalítica.


Clique para obter informações sobre a psicóloga e psicanalista Kátia Bizzarro.


Telefone para marcar a primeira sessão: 11 94323-1001.


Na primeira sessão conversamos sobre: 


A questão que o levou a procurar por um atendimento profissional;


Como funciona o tratamento.


Funcionamento do consultório:


Atendimentos de Segunda à Sexta, inclusive fora do horário comercial. 


A análise é um processo que consiste em sessões semanais que realizar-se-ão em data e hora a serem combinados (por exemplo: toda Quinta às 13h:00). A frequência é importante para o efeito do tratamento advir. 


Detalhes necessários ao funcionamento como: horário semanal, e valor - serão combinados durante a primeira sessão.


Sobre o tratamento:


Há questões emocionais que incomodam, e que se repetem. A configuração dessas questões é muito singular: tem a ver com a história de cada um. Cada pessoa sente de maneira muito particular aquilo que mais a acomete. Por isso, falar sobre o sofrimento é fundamental. Mais adiante entenderemos o que a fala tem a ver com o tratamento.


A análise é um processo que possibilita decifrar questões que encontram-se cifradas, e vêm à consciência na forma de mal estar: Seja físico, através daquilo que se convencionou chamar de fenômenos psicossomáticos; Seja psíquico, quando o sofrimento manifesta-se através dos pensamentos; E até mesmo quando há dificuldade de lidar com os próprios atos que são contrários àquilo que a pessoa espera de si.


A análise é um processo porque aquilo que levou uma vida para se constituir como um sofrimento não é imediatamente transformado, mas é por meio da construção de uma história falada que é possível dizer mais do que se pretendia, e através disso: escutar o que há encoberto no sofrimento, desvelar, e resolver.


Na análise falamos sobre o mal estar: aquilo que inicialmente é descrito como uma condição a qual a pessoa encontra-se destinada, e que através das descobertas que a análise promove, a própria pessoa percebe que a dificuldade tratava-se da manifestação de conflitos inconscientes, e da reatualização de situações passadas e afastadas da consciência, porém, não totalmente esquecidas.


O mal estar pode se manifestar como: luto, situações de crise que se repetem, perplexidade decorrente de ocorrências traumáticas, sentimentos e sensações físicas desagradáveis (pânico, depressão, timidez, angústia, fobias, compulsões, estresse, agressividade, ciúmes, procrastinação), adoecimento corporal (impotência sexual, transtornos alimentares, abuso de drogas), problemas amorosos, familiares, financeiros, no trabalho, repetição de padrões problemáticos nos relacionamentos... 


O mal estar é a manifestação de um conflito que funciona enquanto mantém inconsciente um significado desagradável, através de mecanismos de defesa psíquicos. Repressão e negação de conteúdos são mecanismos comuns, mas que requerem um dispêndio de energia para manterem-se atuantes. Faz-se necessário o reconhecimento de uma parte de nós que funciona à revelia: o inconsciente.


As pessoas invariavelmente iniciam a análise se queixando da vida ou dos outros. Chegam como vítimas: dos acontecimentos ou das ações de outras pessoas - de algo alheio, que sentem que não podem fazer nada para controlar, mas querem mudar. Com a análise o paciente percebe a sua participação naquilo que o faz sofrer, e também no que o faz melhorar. Para que a pessoa viva de uma maneira considerada melhor por ela mesma, precisa saber como participa inconscientemente do que se queixa. Muitos pacientes se surpreendem com essa descoberta, que gera resoluções e melhorias em todas as dimensões da sua existência. 


Para que isso aconteça, é desejável que durante a sessão o paciente fale o mais livremente possível, sobre tudo o que vier à mente, sem selecionar o conteúdo, mesmo que algo pareça não ter nada a ver com o assunto que está sendo tratado, ou com a questão que levou a pessoa a procurar analisar-se. A "associação livre", é um método descoberto por Freud (Fundador da Psicanálise - leia mais abaixo), no início do Séc. XIX: essa regra fundamental da Psicanálise é utilizada até hoje pois possibilita o acesso aos conteúdos inconscientes, e a consequente elaboração destes conteúdos. 


A Psicanálise é mundialmente reconhecida e cada vez mais pesquisada. Não há tecnologia mais avançada do que a fala humana. Já se deu conta disso?





Sobre a Psicanálise:


Clínica psicanalítica como subversão do cógito cartesiano: "Penso, logo existo.".


Sigmund Freud (1856 - 1939), médico neurologista de origem judaica, nascido na República Tcheca, num território que hoje chama-se Príbor, viveu a maior parte de sua vida em Viena, e exilou-se em Londres, onde permaneceu até o fim da vida. Em meados do Século XVIII, foi trabalhar com o psiquiatra Charcot no Hospital Salpêtrière, em Paris. Interessou-se particularmente pelo tratamento das paralisias que não tinham uma razão fisiológica. Ao descobrir que há algo no humano que independe da razão, e está para além da fisiologia, Freud deparou-se com aquilo que mais tarde nomeou como 'inconsciente', e intrigou-se a ponto de criar, através de muitas pesquisas empíricas, e do seu conhecimento acerca da neurologia, a Psicanálise.


Como o inconsciente se manifesta?


Lembremos de situações cotidianas nas quais agimos de modo contrário ao que esperamos: Querendo falar uma coisa, dizemos outra; Ao sair, percebemos que esquecemos as chaves; Alguém se propõe a fazer dieta, mas percebe-se comendo ainda mais; Um homem, ao ter se comprometido em matrimônio, sente-se muito mais atraído por quase todas as pessoas que encontra...


O que aconteceu nestas situações?


Somos seres racionais, sujeitos da razão, só que além disso: somos sujeitos do inconsciente. Razão e inconsciente não são opostos: funcionam paralelamente. Somos divididos subjetivamente. Situações que nos escapam a razão, falham em relação à comunicação, ou falham em relação ao seu objetivo, certamente têm uma lógica inconsciente.


É disso que cuidamos na clínica psicanalítica: nos ocupamos de descobrir a lógica inconsciente que corresponde ao desejo, mas nem sempre à vontade própria. 


Mas o que é clínica psicanalítica?


No livro "O nascimento da clínica", Michel Foucault (1926-1984), filósofo francês, escreveu acerca da diferença entre a clínica clássica e a clínica psicanalítica. 


Foucault estudou a modificação da clínica clássica: do Séc. XVIII, contexto em que o médico era aquele que olhava, até a clínica psicanalítica, Séc. XIX, quando o médico passou a ser também aquele que escuta, criando uma aliança entre o ver e o dizer como fonte da clareza e do desvelamento das afecções psíquicas. 


Esta mudança de paradigma faz do paciente um sujeito ativo no seu tratamento, pois desloca o saber sobre a terapêutica: de quem trata para quem é tratado. 


Podemos localizar essa mudança de paradigma no livro: "A interpretação dos sonhos", de Freud. 


Freud discorre sobre como os sonhos eram analisados antigamente, sem necessariamente tratar-se de uma análise científica. Naquele contexto, sonhos poderiam significar "premonições". Ainda hoje encontramos catálogos com os elementos de sonhos em forma de verbete, ao lado do que supostamente significam. 


Com o novo paradigma tudo se modifica: o sonho pode ser analisado cientificamente, pois o que se considera hoje, é o significado que cada elemento do sonho tem para o próprio sonhador, mais precisamente o texto do sonho, a maneira que ele é contado pelo paciente. 


Os diagnósticos médicos, por exemplo, fazem parte da clínica clássica, já que são conservados em latim, pois latim é uma língua morta, e com isso não há dimensão subjetiva no significado da doença psicossomática para quem está doente: uma língua morta mantém o estado entre o significante (palavra) e o significado. Consequentemente não há uma escuta possível do que uma doença pode significar para quem está doente, portanto não há espaço para a interpretação das doenças psicossomáticas (por exemplo: gastrite por causa emocional, e não bacteriana, ou por lesão anatômica), há no máximo um diagnóstico e uma terapêutica medicamentosa. 


Para que uma prática seja considerada clínica, de um ponto de vista clássico, ela tem que atender a quatro elementos: 


-Semiologia: campo semântico pertencente a um sistema de conhecimento, por exemplo, o campo semântico da psicanálise inclui conceitos como: inconsciente, repressão, negação... 


-Diagnóstica: reconhecimento acerca das características de um quadro clínico; 


-Terapêutica: na psicanálise, por exemplo, a direção de um tratamento e não de um sujeito; 


-Etiologia: o estudo das causas. 


Por exemplo, a astrologia não é uma prática clínica, pois não há nela uma terapêutica. 


A psicanálise abre espaço para uma nova interpretação: um mesmo significante (gastrite) pode ter um significado que pode ser desvelado escutando o que o paciente tem a dizer sobre isso, e pode ter outro significado para outro paciente. Não dá para generalizar que todas as gastrites são bacterianas, e tão pouco que todas as gastrites "nervosas" são causadas por estresse: é preciso ver o significado que este fenômeno tem para cada sujeito. O que muda neste paradigma é que temos um referente, um sujeito que pode falar sobre o que está sentindo. 


Na psicanálise o sujeito é quem dá o significado a partir do seu discurso. Este significado é singular, e paradoxalmente, muda ao longo da análise: a representação, ou seja, o significado atribuído a uma determinada experiência, muda a medida que o paciente conta o acontecido.


A clínica psicanalítica cuida do significado particular que existe num diagnóstico universal: cada um sente, pensa e representa de um modo muito singular, pois cada pessoa tem uma filiação, e a vive de um modo único. Muitas vezes observamos pessoas que são filhas do mesmo pai e mãe, e ainda assim, tem por eles uma noção completamente diferente de filiação. A subjetividade tem um peso muito importante na constituição da personalidade e no modo com que cada pessoa experimenta o mundo. 


Psicóloga Kátia Bizzarro


CRP: 06/89188 PUC-SP


Consultório: Rua Cincinato Braga, 340. Bairro: Paraíso S. Paulo-SP


Próximo da Avenida Paulista.  Metrô Brigadeiro. Valet no local.


Atendimento com hora marcada.


Entre em contato para agendar a primeira sessão:


WhatsApp:


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Há questões emocionais que incomodam, e que se repetem.

11 março, 2023

Dentro de nós existem recursos para lidar com todas as situações.


A análise ajuda a acessar estes recursos, e integrá-los à consciência.


Há questões emocionais que incomodam, e que se repetem. A configuração dessas questões é muito singular: tem a ver com a história de cada um. Cada pessoa sente de maneira muito particular aquilo que mais a acomete. Por isso, falar sobre o sofrimento é fundamental. Mais adiante entenderemos o que a fala tem a ver com o tratamento.


A análise é um processo que possibilita decifrar questões que encontram-se cifradas, e vêm à consciência na forma de mal estar: Seja físico, através daquilo que se convencionou chamar de fenômenos psicossomáticos; Seja psíquico, quando o sofrimento manifesta-se através dos pensamentos; E até mesmo quando há dificuldade de lidar com os próprios atos que são contrários àquilo que a pessoa espera de si.


A análise é um processo porque aquilo que levou uma vida para se constituir como um sofrimento não é imediatamente transformado, mas é por meio da construção de uma história falada que é possível dizer mais do que se pretendia, e através disso: escutar o que há encoberto no sofrimento, desvelar, e resolver.


Na análise falamos sobre o mal estar: aquilo que inicialmente é descrito como uma condição a qual a pessoa encontra-se destinada, e que através das descobertas que a análise promove, a própria pessoa percebe que a dificuldade tratava-se da manifestação de conflitos inconscientes, e da reatualização de situações passadas e afastadas da consciência, porém, não totalmente esquecidas.


O mal estar pode se manifestar como: luto, situações de crise que se repetem, perplexidade decorrente de ocorrências traumáticas, sentimentos e sensações físicas desagradáveis (pânico, depressão, timidez, angústia, fobias, compulsões, estresse, agressividade, ciúmes, procrastinação), adoecimento corporal (impotência sexual, transtornos alimentares, abuso de drogas), problemas amorosos, familiares, financeiros, no trabalho, repetição de padrões problemáticos nos relacionamentos... 


O mal estar é a manifestação de um conflito que funciona enquanto mantém inconsciente um significado desagradável, através de mecanismos de defesa psíquicos. Repressão e negação de conteúdos são mecanismos comuns, mas que requerem um dispêndio de energia para manterem-se atuantes. Faz-se necessário o reconhecimento de uma parte de nós que funciona à revelia: o inconsciente.


As pessoas invariavelmente iniciam a análise se queixando da vida ou dos outros. Chegam como vítimas: dos acontecimentos ou das ações de outras pessoas - de algo alheio, que sentem que não podem fazer nada para controlar, mas querem mudar. Com a análise o paciente percebe a sua participação naquilo que o faz sofrer, e também no que o faz melhorar. Para que a pessoa viva de uma maneira considerada melhor por ela mesma, precisa saber como participa inconscientemente do que se queixa. Muitos pacientes se surpreendem com essa descoberta, que gera resoluções e melhorias em todas as dimensões da sua existência. 


Para que isso aconteça, é desejável que durante a sessão o paciente fale o mais livremente possível, sobre tudo o que vier à mente, sem selecionar o conteúdo, mesmo que algo pareça não ter nada a ver com o assunto que está sendo tratado, ou com a questão que levou a pessoa a procurar analisar-se. A "associação livre", é um método descoberto por Freud (Fundador da Psicanálise - leia mais abaixo), no início do Séc. XIX: essa regra fundamental da Psicanálise é utilizada até hoje pois possibilita o acesso aos conteúdos inconscientes, e a consequente elaboração destes conteúdos. 


A Psicanálise é mundialmente reconhecida e cada vez mais pesquisada. Não há tecnologia mais avançada do que a fala humana. Já se deu conta disso?


Sobre a Psicanálise:


Clínica psicanalítica como subversão do cógito cartesiano: "Penso, logo existo.".


Sigmund Freud (1856 - 1939), médico neurologista de origem judaica, nascido na República Tcheca, num território que hoje chama-se Príbor, viveu a maior parte de sua vida em Viena, e exilou-se em Londres, onde permaneceu até o fim da vida. Em meados do Século XVIII, foi trabalhar com o psiquiatra Charcot no Hospital Salpêtrière, em Paris. Interessou-se particularmente pelo tratamento das paralisias que não tinham uma razão fisiológica. Ao descobrir que há algo no humano que independe da razão, e está para além da fisiologia, Freud deparou-se com aquilo que mais tarde nomeou como 'inconsciente', e intrigou-se a ponto de criar, através de muitas pesquisas empíricas, e do seu conhecimento acerca da neurologia, a Psicanálise.


Como o inconsciente se manifesta?


Lembremos de situações cotidianas nas quais agimos de modo contrário ao que esperamos: Querendo falar uma coisa, dizemos outra; Ao sair, percebemos que esquecemos as chaves; Alguém se propõe a fazer dieta, mas percebe-se comendo ainda mais; Um homem, ao ter se comprometido em matrimônio, sente-se muito mais atraído por quase todas as pessoas que encontra...


O que aconteceu nestas situações?


Somos seres racionais, sujeitos da razão, só que além disso: somos sujeitos do inconsciente. Razão e inconsciente não são opostos: funcionam paralelamente. Somos divididos subjetivamente. Situações que nos escapam a razão, falham em relação à comunicação, ou falham em relação ao seu objetivo, certamente têm uma lógica inconsciente.


É disso que cuidamos na clínica psicanalítica: nos ocupamos de descobrir a lógica inconsciente que corresponde ao desejo, mas nem sempre à vontade própria. 


Mas o que é clínica psicanalítica?


No livro "O nascimento da clínica", Michel Foucault (1926-1984), filósofo francês, escreveu acerca da diferença entre a clínica clássica e a clínica psicanalítica. 


Foucault estudou a modificação da clínica clássica: do Séc. XVIII, contexto em que o médico era aquele que olhava, até a clínica psicanalítica, Séc. XIX, quando o médico passou a ser também aquele que escuta, criando uma aliança entre o ver e o dizer como fonte da clareza e do desvelamento das afecções psíquicas. 


Esta mudança de paradigma faz do paciente um sujeito ativo no seu tratamento, pois desloca o saber sobre a terapêutica: de quem trata para quem é tratado. 


Podemos localizar essa mudança de paradigma no livro: "A interpretação dos sonhos", de Freud. 


Freud discorre sobre como os sonhos eram analisados antigamente, sem necessariamente tratar-se de uma análise científica. Naquele contexto, sonhos poderiam significar "premonições". Ainda hoje encontramos catálogos com os elementos de sonhos em forma de verbete, ao lado do que supostamente significam. 


Com o novo paradigma tudo se modifica: o sonho pode ser analisado cientificamente, pois o que se considera hoje, é o significado que cada elemento do sonho tem para o próprio sonhador, mais precisamente o texto do sonho, a maneira que ele é contado pelo paciente. 


Os diagnósticos médicos, por exemplo, fazem parte da clínica clássica, já que são conservados em latim, pois latim é uma língua morta, e com isso não há dimensão subjetiva no significado da doença psicossomática para quem está doente: uma língua morta mantém o estado entre o significante (palavra) e o significado. Consequentemente não há uma escuta possível do que uma doença pode significar para quem está doente, portanto não há espaço para a interpretação das doenças psicossomáticas (por exemplo: gastrite por causa emocional, e não bacteriana, ou por lesão anatômica), há no máximo um diagnóstico e uma terapêutica medicamentosa. 


Para que uma prática seja considerada clínica, de um ponto de vista clássico, ela tem que atender a quatro elementos: 


-Semiologia: campo semântico pertencente a um sistema de conhecimento, por exemplo, o campo semântico da psicanálise inclui conceitos como: inconsciente, repressão, negação... 


-Diagnóstica: reconhecimento acerca das características de um quadro clínico; 


-Terapêutica: na psicanálise, por exemplo, a direção de um tratamento e não de um sujeito; 


-Etiologia: o estudo das causas. 


Por exemplo, a astrologia não é uma prática clínica, pois não há nela uma terapêutica. 


A psicanálise abre espaço para uma nova interpretação: um mesmo significante (gastrite) pode ter um significado que pode ser desvelado escutando o que o paciente tem a dizer sobre isso, e pode ter outro significado para outro paciente. Não dá para generalizar que todas as gastrites são bacterianas, e tão pouco que todas as gastrites "nervosas" são causadas por estresse: é preciso ver o significado que este fenômeno tem para cada sujeito. O que muda neste paradigma é que temos um referente, um sujeito que pode falar sobre o que está sentindo. 


Na psicanálise o sujeito é quem dá o significado a partir do seu discurso. Este significado é singular, e paradoxalmente, muda ao longo da análise: a representação, ou seja, o significado atribuído a uma determinada experiência, muda a medida que o paciente conta o acontecido.


A clínica psicanalítica cuida do significado particular que existe num diagnóstico universal: cada um sente, pensa e representa de um modo muito singular, pois cada pessoa tem uma filiação, e a vive de um modo único. Muitas vezes observamos pessoas que são filhas do mesmo pai e mãe, e ainda assim, tem por eles uma noção completamente diferente de filiação. A subjetividade tem um peso muito importante na constituição da personalidade e no modo com que cada pessoa experimenta o mundo. 


Psicóloga Kátia Bizzarro


CRP: 06/89188 PUC


Atendimento com hora marcada.


Entre em contato para agendar a primeira sessão pelo WhatsApp:


11943231001

 

Sobre a Psicanálise:

11 março, 2023

Sobre a Psicanálise:

Quem foi Freud, e como tudo começou?

Sigmund Freud (1856 - 1939), médico neurologista de origem judaica, nascido em Príbor, hoje República Tcheca (Europa Central), viveu a maior parte de sua vida em Viena (79 anos), e no fim da vida exilou-se no em Londres com parte da sua família para sobreviver à perseguição nazista, onde permaneceu até a sua morte. Em meados do Século XVIII, foi trabalhar com o psiquiatra Jean-Martin Charcot (1825-1893) no Hospital Salpêtrière, em Paris, onde tudo começou. 

Trabalhando com Charcot, Freud interessou-se particularmente pelo tratamento das paralisias corporais que não tinham uma razão fisiológica. Ao descobrir que há algo no humano que afeta o corpo e independe da razão, e além disso não tem uma relação direta com causas fisiológicas, o criador da Psicanálise deparou-se com aquilo que mais tarde nomeou como 'inconsciente', e intrigou-se a ponto de criar, através de muitas pesquisas empíricas e do seu conhecimento acerca da neurologia: a Psicanálise.

Como o inconsciente se manifesta?

Lembremos de situações cotidianas nas quais agimos de modo contrário ao que esperamos: Querendo falar uma coisa, dizemos outra; Ao sair, percebemos que esquecemos as chaves; Alguém se propõe a fazer dieta, mas percebe-se engordando, comendo ainda mais; Alguém que acaba de ficar noivo, sente-se muito mais atraído por quase todas as pessoas que encontra; Alguém quer urgentemente termirar algo, mas fica adiando... Freud escreveu um texto chamado "Psicopatologia da vida cotidiana" sobre a relação do inconsciente com acontecimentos como estes.

O que aconteceu nestas situações?

Somos seres racionais, só que além disso: somos sujeitos do inconsciente. Razão e inconsciente não são opostos: funcionam paralelamente. Somos divididos subjetivamente. Algumas situações que nos escapam a razão, falham em relação à comunicação, ou falham em relação ao seu objetivo, mas certamente têm uma lógica e "eficácia" inconsciente.

É disso que cuidamos na clínica psicanalítica: nos ocupamos de descobrir a lógica inconsciente que corresponde ao desejo, mas nem sempre à vontade própria. Desejo e vontade não são sinônimos para a Psicanálise. O desejo é aquilo que se destaca da necessidade, e que está para além das demandas.

Mas no que a clínica psicanalítica é diferente de outros tratamentos?

No livro "O nascimento da clínica", Michel Foucault (1926-1984), filósofo francês, escreveu acerca da diferença entre a clínica clássica e a clínica psicanalítica.

Foucault estudou a modificação da clínica clássica: do Séc. XVIII, contexto em que o médico era aquele que olhava, até a clínica psicanalítica, Séc. XIX, quando o médico passou a ser também aquele que escuta, criando uma aliança entre o ver e o dizer como fonte da clareza e do desvelamento das afecções psíquicas.

Esta mudança de paradigma faz do paciente um sujeito ativo no seu tratamento, pois desloca o saber sobre a terapêutica: de quem trata para quem é tratado.

Podemos localizar essa mudança de paradigma no livro: "A interpretação dos sonhos", de Freud. Neste livro, o pai da Psicanálise discorre sobre como os sonhos eram analisados na antiguidade sem necessariamente tratar-se de uma análise científica. Naquele contexto, sonhos eram considerados "premonições". Ainda hoje encontramos catálogos com elementos de sonhos em forma de verbete, ao lado do que supostamente significariam.

Com o paradigma psicanalítico proposto por Freud, o que consideramos na análise de um sonho é o texto do sonho, o modo que ele é contado pelo paciente. Numa análise não trabalhamos somente com relatos de sonhos, mas trabalhamos com as palavras dos pacientes: esquecimentos, lapsos de linguagem, ditos cômicos, atos falhos - num contexto de análise funcionam como material a ser trabalhado psicanaliticamente.

Os diagnósticos médicos, por exemplo, fazem parte da clínica clássica, são conservados em latim, pois latim é uma "língua morta", e com isso não há dimensão subjetiva no significado de uma doença psicossomática para quem está doente: uma "língua morta" mantém o estado entre o significante (palavra) e o significado. Consequentemente não há uma escuta psicanalítica possível na clínica médica do que uma doença pode significar para quem está doente, portanto não há espaço para a interpretação das doenças psicossomáticas (por exemplo: gastrite por causa emocional, e não bacteriana, nem por lesão anatômica), há no máximo um diagnóstico e uma terapêutica medicamentosa.

Para que uma prática seja considerada clínica, de um ponto de vista clássico, ela tem que atender a quatro elementos:

-Semiologia - Campo semântico pertencente a um sistema de conhecimento, por exemplo, o campo semântico da psicanálise inclui conceitos como: inconsciente, repressão, negação...

-Diagnóstica - Reconhecimento acerca das características de um quadro clínico;

-Terapêutica - Na psicanálise, por exemplo, a direção de um tratamento e não de um sujeito;

-Etiologia: o estudo das causas.

Por exemplo, a astrologia não é uma prática clínica, pois não há nela uma terapêutica.

Diferentemente da clínica clássica, a Psicanálise é a clínica da singularidade.

A psicanálise abre espaço para uma nova interpretação: um mesmo significante (a palavra gastrite, referente ao exemplo acima) pode ter um significado que pode ser desvelado, escutando o que um paciente tem a dizer sobre isso, e pode ter outro significado para outro paciente. Não dá para generalizar que todas as gastrites são bacterianas, e tão pouco que todas as gastrites "nervosas" são causadas por estresse: é preciso escutar cada sujeito. O que muda neste paradigma é que temos um referente, um sujeito que pode falar sobre o que está sentindo.

Se Freud foi o pai da Psicanálise, o psicanalista parisiense contemporâneo Jacques-Marie Émile Lacan (1901-1981), tratou de revisar a obra de Freud, e fazer as analogias necessárias para que a Psicanálise pudesse ser transmitida, fiel ao que ela se propõe: o tratamento por meio das palavras do próprio paciente. Lacan evidenciou ainda mais a descoberta de Freud: de que há um descentramento no humano. Na psicanálise o sujeito é quem dá o significado a partir do seu discurso, e o sujeito não coincide com o eu do paciente, o sujeito é sujeito do inconsciente. A clínica psicanalítica cria condições para escutarmos o discurso do inconsciente, que acontece enquanto o paciente fala. Fala e discurso não são sinônimos para a Psicanálise. 

O significado que um paciente dá para o seu mal estar é singular, e paradoxalmente, muda ao longo da análise: a representação, ou seja, o significado atribuído a uma determinada experiência, muda à medida que o paciente conta o acontecido.

A clínica psicanalítica cuida do significado particular que existe num diagnóstico universal: cada um sente, pensa, e representa de um modo muito singular pois cada pessoa tem uma história e uma filiação, e a vive de um modo único. Muitas vezes observamos irmãos que são filhos do mesmo pai e mãe, e que se relacionam com os pais de maneira completamente diferente, pois cada um nasceu num contexto diferente, e subjetiva a própria história singularmente. A Psicanálise é a clínica da subjetividade.

Referências Bibliográficas:

FOUCAULT, Michel (1963). O Nascimento da Clínica.

FREUD, S. (1900), A Interpretação dos Sonhos.

FREUD, S. (1901), Psicopatologia da Vida Cotidiana.

LACAN, J. (1960), Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano, in Escritos. 

Kátia Bizzarro

CRP: 06/89188